quarta-feira, 31 de março de 2010

Nunca digas que me amas...


Ela não gostava de histórias de amor. Romances de amor. Filmes de amor. Poemas de amor. Reencontros, finais felizes, em histórias de amor.
Achava o amor invenção de espíritos fracos, como a fé.
Fragilidade desnecessária. Fonte de dependências e complicações. Perca de individualidade.
Não era uma mulher fria ou frígida, apenas não acreditava e não gostava da palavra amor.
Satisfazia a vontade de sexo não criando afectos, compromissos.

Quando o conheceu estava já numa idade tranquila.
Tinha construído a vida, livre de presenças permanentes e de saudade.
Por ele, olhou para trás pela primeira vez na hora da despedida.
Pela primeira vez quis rever alguém.
Pela primeira vez desejou ficar depois de saciado o corpo.
Ela dizia-lhe:
-Nunca digas que me amas ou partirei. Nunca direi que te amo.
E a palavra amor era palavra proibida.
Sempre que sentia crescer nele a palavra. Sempre que sabia que ele a ia proferir, calava-o.
Selava a palavra na boca dele, com a sua.
E a palavra amor era silêncio.

Ele perguntava:
-Porque não queres que diga a palavra? Porque não a queres ouvir? Porque fazes da palavra vergonha e segredo?
Ela calava-se.
Calava a promessa feita numa cama de menina com ódio de mulher.
Calava como fechava os ouvidos para não ouvir a palavra. Calava como cerrava os lábios quando lhe pediam para a dizer.
A palavra amor, sinal de aceitação, rendição. A palavra amor, palavra que mataria a menina em si.
Ela dizia-lhe depois, quase em súplica:
-Nunca digas que me amas ou partirei. Nunca direi que te amo.

Um dia ele não apareceu. O silêncio do amor tornara-se fardo insuportável
Um sentimento novo e indesejado cresceu dentro dela.
Tentou ignorar o chamamento do corpo. Calar a vontade. Calar a saudade.
Quando não resistiu. Quando desistiu da luta e se rendeu, ligou-lhe.
Disse triste:
- Eu amo-te. E desligou.

Ele correu para ela. Esperara tanto tempo voz e palavra.
Abriu a porta da casa dela com a chave que era a sua. A chave que ela não dera antes a ninguém.
Escrita nas paredes do corredor, na sala, saindo para a rua pelos vidros e persianas.
Escrita a vermelho como que arrancada de dentro, rasgando, perfurando paredes.
Escrita por toda a casa estava a palavra “amo-te”.

Viu-a na cama. Nas mãos um papel dizia da despedida.
No papel, desenhado por mãos de criança, estava um homem sorridente dando a mão a uma menina de olhos molhados e de revolta.
O homem dizia amo-te e sorria.
A palavra fora riscada vezes sem conta até rasgar o papel.

3 comentários:

  1. Explica-me! Deixa-me entender! Porque só ficas feliz estando triste? Será a tua felicidade composta apenas por dor?
    L.

    ResponderExcluir
  2. Anónimo:

    Aqui eu escrevo, momentos e fantasmas... já escrevi sobre amor... agora não acredito mais nessa palavra. O ultimo ano foi complicado, muito complicado, apenas pedi tempo.
    Aqui escrevo "momentos" e nunca sobre nossa vida. Se eu explicar vou escrever mais que momentos, vou mexer numa grande "história" de amor.

    ResponderExcluir
  3. Todo o tempo do mundo te dei agora, mas quando se pede tempo temos de estar preparados para que o outro tambem tenha o seu tempo, foi pena ambos não serem coincidentes.
    L.

    ResponderExcluir

Você comenta aquilo que lhe convém... e eu publico aquilo que me interessa... Sorriso ;-)